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Recuperação nos EUA já puxa outras economias

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Por Paul Hannon e Mike Bird — Dow Jones Newswires
 

Uma poderosa recuperação nos EUA, fomentada pelos enormes gastos governamentais e por uma vacinação acelerada, já está reverberando no mundo inteiro. Esses reflexos animam as perspectivas econômicas de países estreitamente ligados à economia americana.

Mas economistas alertam que o próximo surto de crescimento dos EUA poderá prenunciar uma recuperação em duas velocidades em relação ao colapso ocorrido em 2020, numa divisão que ameaça abrir fissuras na economia global.

Apesar de os “lockdowns” terem atingido muitas economias aproximadamente na mesma medida no ano passado, evidências mostram que a saída da pandemia poderá ser bastante assimétrica.

Os países ricos e algumas economias voltadas à exportação já estão colhendo os frutos de campanhas de vacinação bem-sucedidas e da retomada do crescimento.

Já os países pobres assistem aos primeiros sinais de fugas de capitais. Ao mesmo tempo, esses países enfrentam uma longa espera por vacinas e alguns deles sofrem novas ondas de covid-19 que os deixam alijados dos fluxos de viagens e de turismo que sustentaram suas economias nos últimos anos.

A economia dos EUA deverá crescer 6,5% neste ano, seu ritmo mais acelerado desde 1984. Se confirmada, a economia americana poderá terminar o ano maior do que o previsto antes da pandemia, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Nenhuma outra economia de grande porte, nem mesmo a China, deverá ostentar tal quadro. Economistas preveem que os EUA serão o principal impulsionador do crescimento global neste ano.

A vacinação contra a covid-19 nos EUA, mais acelerada do que as campanhas na maior parte da Europa e da Ásia, permitiu uma volta mais rápida da atividade econômica ao normal. Mas a decisão dos EUA de promover uma segunda grande rodada de alívio e foi decisiva. São muito poucos os países ricos que gastaram tanto quanto os EUA, e os países pobres não podem se permitir tal luxo.

Uma economia americana aquecida, por sua vez, está acelerando as recuperações de outros países, especialmente os exportadores, que vendem produtos para os consumidores americanos.

Esse fator é uma bênção para países como o Vietnã. O estímulo dos EUA, por si só, acrescentará 1,4% ao Produto Interno Bruto (PIB) vietnamita nos próximos dois anos, enquanto o impacto sobre o México será ligeiramente maior, segundo estimam as empresas de serviços financeiros Allianz e Euler Hermes. Isso contribuirá para neutralizar os efeitos do colapso do turismo no Vietnã.

Na Tailândia, a previsão é de alta de 3% a 5% das exportações neste ano, com uma alta de 10% a 11% nas vendas para os EUA – que compensará os declínios dos embarques para a Europa e China, segundo Supan Mongkolsuthree, presidente da Federação das Indústrias Tailandesas.

As exportações do setor de autopeças da Tailândia poderão chegar a US$ 22 bilhões neste ano, após uma queda de 14% em 2020, segundo a Associação Tailandesa de Fabricantes de Autopeças, graças às compras de pneus pelos EUA.

Mas a força da retomada dos EUA pressiona ainda mais as sobrecarregadas cadeias de suprimentos, que fornecem desde smartphones até roupas infantis.

A britânica Brompton Bicycle, fabricante de bicicletas dobráveis, contratou novos funcionários e criou uma terceira linha de produção durante a pandemia. Apesar de destinar uma parcela “preferencial” de sua produção aos EUA, a empresa não consegue dar conta da demanda. Encontrar peças originárias da Ásia se tornou um problema, bem como o acesso ao transporte marítimo.

“A demanda está crescendo mais do que a oferta”, disse Stephen Loftus, diretor comercial da Brompton. “Enfrentamos muitas frustrações diariamente.”

Essas frustrações tendem a piorar no futuro imediato, devido aos atrasos decorrentes do encalhe do cargueiro que interrompeu por seis dias o tráfego no Canal de Suez, que liga o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho e é a principal via de comércio marítimo entre a Europa e a Ásia. “Ainda não conhecemos a extensão dos efeitos indiretos do incidente, mas ele afetará a todos”, disse Loftus.

Embora o crescimento dos EUA deva promover muitas recuperações, esse efeito não alcançará todos os países. O impulso tende a ser modesto, por exemplo, na Europa, onde economistas do Banco Central Europeu (BCE) estimam que o estímulo americano elevará o crescimento econômico da zona do euro de 4% para 4,1% neste ano e de 4,1% para 4,3% em 2022.

A zona do euro, onde as vacinações avançam num ritmo muito lento, deverá ficar presa em uma desaceleração econômica por vários meses ainda – uma trajetória bem diferente da dos EUA, o que pode deixar cicatrizes duradouras nos mercados de trabalho e nos investimentos produtivos do bloco.

Por seu lado, é pouco provável que os países mais pobres consigam vacinar grandes parcelas da população nos próximos meses ou até anos. Isso fará com que muitos sejam excluídos do setor de turismo que criou empregos e fortaleceu economias nos últimos anos.

Clayton Fletcher, que administra um complexo de safári e alojamento de caça de luxo na Província de Noroeste na África do Sul, sobreviveu a 2020 matando os animais e vendendo a carne. Tomou empréstimos bancários para continuar a pagar seus funcionários.

Em fevereiro, o alojamento hospedou seus primeiros grupos de turistas estrangeiros desde novembro de 2019, mas já registra 16 cancelamentos neste ano da parte dos EUA, Canadá e Europa.

“Nossos negócios dependem de outros países”, disse Clayton. Uma cepa mais contagiosa identificada primeiro na África do Sul agravou o cenário para sua empresa. “Com essa nova cepa daqui, infelizmente, as pessoas estão com medo.”

No mês passado, a Conferência da ONU de Comércio e Desenvolvimento elevou sua previsão de crescimento para os EUA neste ano, mas reduziu suas projeções para a África. Na verdade, prevê que a economia da África crescerá mais lentamente que a dos EUA, uma discrepância que será maior em termos per capita, pelo fato de a população dos países africanos se expandir de forma mais acelerada.

“A covid-19 se abateu sobre os pobres como um incêndio espontâneo”, disse David Malpass, presidente do Banco Mundial, em evento virtual à London School of Economics. “Na pandemia da desigualdade, os mais pobres estão ficando ainda mais para trás.”

A força da recuperação dos EUA poderá agravar ainda mais essas disparidades se a nova onda de gastos do governo americano puxar a inflação para níveis significativamente mais elevados e obrigar o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) a aumentar sua taxa básica de juros muito antes do que prevê atualmente.

Devido a prevalência do dólar americano no sistema financeiro e no comércio globais, essa medida do Fed, se adotada, elevará o custo de financiamento para muitos países onde as recuperações têm previsão de serem muito mais lentas.

“O que os EUA estão fazendo em termos de estímulos fiscais gigantescos, associado a uma política monetária relativamente expansiva é, no geral, benéfico para o mundo”, disse Adam Posen, presidente do Instituto Peterson de Economia Internacional. “O grande lado negativo é o que acontecerá se este for um ciclo de surto de crescimento seguido de colapso – o que acontecerá se estivermos não apenas em superaquecimento, mas se formos obrigados a apertar mais rapidamente [a política monetária] e mais do que atualmente precificado pelos mercados?”