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A parede hidráulica e o papel do poder público

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Mais de 500 pessoas morreram no Brasil em razão das chuvas que atingiram diferentes regiões do país. Destruição de moradias, milhares de desabrigados, muitas vezes feridos. Depoimentos sobre vidas devastadas, sonhos e esperanças interrompidos pela força das águas. Justo as águas, tão indispensáveis à vida e, nas circunstâncias, tão mortais.

A solidariedade do povo brasileiro é muito ativa e estimulante. Com doações de alimentos, roupas e trabalhos voluntários buscando atenuar as consequências das catástrofes na vida cotidiana dos atingidos. Lamentável, ainda ter que ouvir que as pessoas não deviam ter feito suas casas e barracos em áreas de risco. O sonho da casa é o mais presente em todas as famílias. Ninguém constrói sabendo que o excesso de chuva vai destruir. Podem até saber que não são os melhores lugares para uma edificação, mas o sonho é sonho que se realiza, até mesmo com riscos.

Cabe a nós e, especialmente aos governos, respostas urgentes ao desafio das áreas de risco, que não sejam apenas ações pontuais a cada tragédia.

No Brasil a pobreza de mais da metade da população é fortemente contrastante com a abundância de privilégios que drenam brutalmente os recursos públicos. Incentivos e benefícios fiscais vão consumir este ano 370 bilhões de reais, sem que se saiba ao certo os resultados quanto ao emprego, produtividade ou benefícios sociais. Também os escandalosos salários no legislativo, judiciário e executivo que furam o teto e sangram o tesouro. Mas aqui vou me ater a  exuberância, riqueza e luxo dos prédios públicos próprios ou alugados. E isso em todos os níveis de governo: federal, estadual e municipal. Também em todas as instâncias: legislativo, executivo e judiciário.

Neste momento de grave crise econômica e social, milhares de construções, reformas, manutenções, anexos, aluguel de novos espaços para serviços públicos, e outros, devem estar sendo realizados em todo o país. Os recursos são limitados. Principalmente são limitados para atender aos que mais precisam da ação dos governos.

Não está na hora de imaginar e trabalhar para inverter as prioridades no próximo período de governo de 4 anos em várias áreas? De um lado poupar, de outro investir para acabar com áreas de risco, por exemplo, que afetam centenas de milhares de famílias brasileiras?

Os legislativos, tão essências aos debates e ações dos governo e à democracia, poderiam passar quatro anos sem novas obras, apenas as necessárias as manutenções. Em todos os níveis. Ah, mas eles têm orçamento próprio! Mas eles têm em primeiro lugar, e é o que deles espera a sociedade, compromisso com os brasileiros. Especialmente para que tenham uma vida digna, com o direito básico a ter uma parede hidráulica que não esteja em área de risco. Os recursos poupados seriam usados na progressiva eliminação das áreas de risco. Do mesmo modo isto pode ser feito pelo Judiciário e Ministério Público.

Entretanto, a maior poupança nesta área pode ser feita pelos executivos. Prioridade de investir o que for possível em saúde, educação, qualificação profissional, infraestrutura, saneamento, segurança, bombeiros e outras áreas indispensáveis. Mas muita poupança poderá ser feita na área imobiliária e usada para a eliminação de áreas de risco habitacional.

Já fui em alguns países. Neles sempre tive interesse em conhecer os parlamentos. Em geral são construções antigas, até de séculos. Um bom exemplo a servir como referência. Mas sobretudo, transformar o propósito de não assistirmos as tragédias que se repetem a cada ano, numa política focada dos governos e das instituições. Os pobres hoje, mal conseguem se alimentar. A casa, a parede hidráulica, como dizia Mario Covas, é o sonho que não deve se transformar em pesadelo.

Por José Anibal – Economista, Senador Suplente, já foi Deputado Federal