No seminário que o Instituto Teotônio Vilela e a Fundação Astrojildo Pereira promoveram no mês passado, o jornalista britânico Adrian Wooldridge encerrou sua palestra sugerindo uma volta ao debate filosófico do qual pensadores ingleses como Thomas Hobbes e John Stuart Mill foram pioneiros: para que serve o Estado, qual o limite de seu poder e como ele pode funcionar melhor em nosso modelo de democracia ocidental?
São perguntas cuja pertinência atravessou quatro séculos e que se mantêm tão relevantes hoje quanto na transição dos regimes absolutistas para as repúblicas ou monarquias parlamentaristas. São questões que preocupam as nações mais desenvolvidas do mundo no século 21 e que também demandam atenção no Brasil, às voltas com a recuperação de sua economia e com um longo período de instabilidade política e, por vezes, até institucional.
Nesse sentido, cabe acrescentar ao argumento de Wooldridge, colunista da revista The Economist e coautor do instigante livro A Quarta Revolução, qual o papel e o dever das elites política, econômica, intelectual e cultural dos países na disseminação de princípios democráticos, no respeito às instituições republicanas e na defesa do pleno exercício da cidadania.
A história mostrou que o melhor caminho para uma nação próspera, com justiça social, respeito ao direito de ir e vir com segurança e acesso igualitário a serviços de educação e saúde básicos não são as revoluções que, invariavelmente, culminaram em execráveis regimes totalitários. Tampouco vingou o modelo de laissez-faire em que se pregava a dispensa da ação do Estado, mas foi ao Estado que muitos correram quando foram à falência quando atingidos por crises profundas.
Parece clara, ainda que seja tarefa complexa, a urgência de se rediscutir um melhor equilíbrio do papel do Estado na promoção do bem-estar social e da oferta mais equitativa de oportunidades, assim como no estímulo à eficiência, ao aumento da produtividade e de um mercado competitivo e globalizado. Num país ainda marcado pelas desigualdades como o Brasil, esse debate torna-se ainda mais fundamental, não só para a construção de perspectivas mais promissoras do ponto de vista econômico e social, mas para a própria sustentação do regime democrático.
Digo isso diante de pesquisas recentes que mostram alta desconfiança dos brasileiros em relação ao funcionamento da democracia e eventual apoio significativo a um governo militar ou não democrático. Reverter esse quadro é dever dos que ocupam posições de relevo nos três poderes, nas grandes empresas e instituições financeiras, nos veículos de comunicação e nas redes sociais, nos grandes centros de formulação e produção de conhecimento científico, intelectual e cultural.
São esses os formadores da elite no sentido mais seminal da palavra: não como referência a privilegiados, mas como definição de eleitos, de escolhidos em um grupo social por serem os mais valorosos e bem qualificados. Quando tais ocupantes esquecem esse significado e atuam movidos por interesses próprios, escusos ou alheios ao bem coletivo, fazem mais do que uma mera distorção do conceito original da palavra: condenam o país e a sociedade à desordem e à falta de perspectivas.
A defesa da democracia, do debate público racional, e a superação da demagogia e do populismo não é desafio exclusivo da elite brasileira nem está livre de percalços, como reconheceu ninguém menos do que Barack Obama em sua passagem pelo país. Estão aí Donald Trump e Brexit como exemplos mais eloquentes, e de certa forma a recente crise catalã na Espanha.
Há em comum nesses casos a incapacidade de fazer vencedora a visão economicamente racional, politicamente equilibrada e socialmente sensível às demandas do cidadão comum. Diante de crises e insatisfações, o apelo ao discurso fácil e às promessas que não podem ser cumpridas ou que, se cumpridas, terão graves consequências, é o combustível para a radicalização e para o surgimento de efêmeras bonanças a antecipar longas tempestades.
Assim, é preciso semear confiança nos que querem garantir o sustento de suas famílias e seguem em busca de oportunidades e emprego. Compreender e oferecer soluções reais para o medo da violência que assola a população de grandes, médias e até pequenas cidades. Defender uma profunda reforma do Estado para que não faltem verbas para saúde, educação, cultura, infraestrutura, nem sejam desperdiçados recursos com privilégios, favores, aposentadorias especiais ou precoces.
Essa é, definitivamente, uma tarefa das elites que deveriam fazer jus à palavra.
José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.