Como me disse certa vez Mário Covas, em política nada é mais calculado do que a coincidência. Nessa seara, raramente algo é fortuito e aleatório. Na semana que passou, por exemplo, a presidente Dilma Rousseff foi golpeada pelo próprio partido duas vezes. As duas vezes pelas costas. Nas duas ocasiães, no momento menos oportuno.
De um lado, demonstrando raro senso de oportunidade, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) criou a inusitada frente governista de combate ao ajuste fiscal. De outro, o PT paulista divulgou nota em que se diz, pasmem, enojado com tudo o que está aí. Se eles se sentem assim, imaginem os brasileiros, especialmente os que não confiaram o voto ao PT!
Lindbergh Farias, envolto numa espécie de distúrbio de ansiedade pela antecipação do futuro, chegou mesmo a dizer que o ajuste fiscal atrapalha Lula em 2018. Nem passou por sua cabeça que o atual governo tem menos de seis meses de idade e que ainda ontem ele andava pelos palanques a cabalar voto para Dilma.
Que Lindbergh tente se desvencilhar de seu mal momento mirando alvos fáceis, vá lá. Não é segredo que os laços de lealdade se afrouxam nos momentos de aperto. Mas se aproveitar da fraqueza do governo Dilma para fazer demagogia autopromocional é um gesto de extrema covardia. Como se ele não fosse corresponsável e avalista do projeto.
Já a circular do PT, segundo a qual as açães de Dilma “frustraram as expectativas” e “arrefeceram toda a energia” extraída das urnas, mostra que a ideologia daqui por diante é a de Pôncio Pilatos. O PT tenta lavar as mãos. Diz que Dilma conduziu o país na contramão do petismo e que a militância deve reagir. Reagir a Dilma? Como se ela estivesse nessa sozinha.
No dia 25 de março, num arroubo de sinceridade, o presidente do partido, Rui Falcão, mostrou que ainda tinha lado. “é um governo de merda, mas é o meu governo”, disse ele num ato da CUT. Com o prestígio em franca decadência e com as medidas do arrocho bafejando os assalariados, o PT agora decidiu jogar Dilma do navio.
Dilma merece as críticas, mas não as do PT. A política, afinal, ainda é feita de lados: o de cá, e o de lá. Não adianta o PT tentar se descolar da presidente e fingir que não está do lado da crise. Não se trata só de cinismo e deslealdade. Falta etiqueta política. Os intuitos são os mais baixos, mas os gestos não precisavam ser tão rasteiros.
Além da falta de autocrítica, outra coincidência nos dois episódios é o mantra segundo o qual Dilma não ouve ninguém. Articuladores do PT repetem a máxima mil vezes e a constatação vai virando dogma. E assim, vão tentando pendurar no pescoço de Dilma os fracassos e erros de todos esses anos. Coincidência ou orquestração?
O deprimente dessa vertiginosa bancarrota é que algumas perversidades vão ganhando voz. Por exemplo, tem surgido na internet análises que explicam a novíssima resistência do partido a Dilma devido ao seu passado “brizolista” – e há nisso um forte menosprezo. Como se ser “brizolista” fosse uma marca de Caim e causasse vergonha a alguém.