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DEZ ANOS DEPOIS

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“Todos nós fizemos de conta que não era com a gente”, foi minha resposta ao jornal Valor de 02/06 sobre os dez anos das manifestações de 2013.

Nas manifestações inexistia a participação de partidos políticos e bandeiras ou outras sinalizações associadas a partidos eram hostilizadas. No começo, a motivação era contra o aumento das tarifas de transporte coletivo. Logo, outras pautas se fizeram presentes. Uma delas era sintomática: hospitais “padrão Copa do Mundo” – modernos e eficientes -. No conjunto, um questionamento geral de insatisfação com os governos, seus impostos, suas políticas em todos os níveis, associada à denúncias de corrupção. Tinha gente de todo lugar, na grande maioria jovens. Uma parte queria mais Estado, outra menos. Mais políticas públicas quanto a diversidade, outros contrários. Eram simpatizantes da direita, da esquerda, do centro, de todo espectro partidário e também de fora dele.

Os governos, surpreendidos pelo crescimento dos atos, estavam em geral paralisados na ação, só não deixaram de reprimir, no início. A culminância se deu na invasão ao Congresso Nacional, aquela vez sem depredação. Foi a cena mais impressionante e marcante daqueles dias. Uma massa de de participantes ocupando suas instalações. Uma síntese da mensagem das ruas. Um basta aos governos e a ação, ou melhor, a inação dos parlamentos. A falta de esperança e segurança dos novos tempos, ao contrário das expectativas alimentadas pela conquista da democracia. O ovo da serpente que todos os agentes políticos preferiram desdenhar e ignorar. Publicamente tentaram reduzir seu significado e passar a mensagem que buscariam o diálogo para ver o que fazer. Detalhe fundamental, as redes sociais fizeram o papel de “organizador coletivo” das manifestações. Quem entendeu isso então, construiu uma avenida que nos levaria a polarização crescente na sociedade.

Algumas iniciativas foram tomadas por governos, partidos e movimentos sociais nos momentos seguintes as manifestações. Sinais intimidados e até covardes que apenas dão razão a frase cínica do príncipe italiano/siciliano sobre manifestações de descontentamento: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”. Nas eleições seguintes, a polarização entre PT e PSDB, praticamente ignorou as manifestações. A disputa presidencial entre os dois partidos se acentuou com uma campanha agressiva, com muito de vale tudo, especialmente pelo PT. Foi também o inicio de uma movimento de radicalização que transformou a luta política num “nós contra eles” e suas trágicas consequências para a sociedade brasileira. O que veio depois nos empobreceu sob todos aspectos.

Martin Wolf, renomado jornalista inglês, em suas reflexões sobre as crises da democracia, escreveu: “Nem a política nem a economia funcionarão sem um substancial nível de honestidade, confiança, autocontenção e lealdade às instituições. Na ausência desses fatores, um ciclo de descrédito corroerá as relações políticas, sociais e econômicas”. Afinal, as pessoas desejam viver melhor, com esperança, segurança e oportunidades para seus jovens. Queimando oportunidades, o Brasil e todo seu reconhecido e vasto potencial, vai continuar patinando. E não entregando o que a sociedade deseja.

O novo governo, e especialmente, o Presidente Lula, viveu intensamente a política brasileira nos últimos 50 anos. É presidente eleito pela terceira vez. Ainda que milhões de seus votos no segundo turno tenham sido contra a reeleição de seu adversário, e até por isso, poderia fazer um governo mais afeito ao diálogo e a ação inovadora nas políticas públicas que a maioria, ainda que por pequena margem, lhe confiou. E olhar adiante. Aliás, um amigo resumiu o que espera do governo Lula: um plano real para a sociedade.

Sobre os dez anos depois de 2013, perguntei ao amigo Miguel de Almeida que transcreveu a pergunta e o que respondeu na sua coluna do O Globo de 05/06. “Dez anos depois de 2013, como ficou o país? Melhor?” Resposta: “Olha, Zé Aníbal, a luta contra a ditadura dos milicos foi mais fácil. Agora parece que todos querem destruir a minguada civilização brasileira”. Sei que o Miguel e a maioria do povo brasileiro quer outro caminho. Penso que os manifestantes de 2013, com todas as diferenças, certamente também. Até para tentar ressuscitar o espírito de 2013.