Em dezembro de 1983, o governador Franco Montoro foi ao Rio de Janeiro para reunião em que estavam alguns intelectuais, entre eles Oto Lara Resende. Montoro falou sobre várias ações que vinha realizando em São Paulo para recuperar as finanças do Estado, descentralizar a administração e dar mais eficiência a gesta pública. Em dado momento Lara Resende interrompeu o governador, pedindo que ele colocasse luz alta na sua gestão, claramente se referindo a situação nacional, especialmente a luta pela democracia que se ampliava a cada dia. Montoro, que sabia escutar, olhar adiante e sentir os anseios da nação, pouco depois de voltar a São Paulo, em janeiro de 1984, convocou o comício da Praça da Sé para o dia 25, aniversário de São Paulo, iniciando a campanha pelas Diretas Já. Alguns chegaram a supor que tinha sido precipitação. Montoro estava certo. O comício levou uma multidão a praça da Sé e iniciou a mais extraordinária campanha de massas pelo retorno à democracia no Brasil.
Recuperei esse episódio para escrever sobre o que imagino ser uma farol alto sobre o momento que vivemos no Brasil. O atual governo está enfrentando os desafios da hora na economia, votando matérias e agindo para dar rumo a economia e recuperar políticas públicas em várias áreas – arcabouço fiscal, tributária, ambiental, indígena, diversidade, programas sociais, reposicionamento internacional, etc. E anuncia alguns passos para uma agenda de médio e longo prazo, com destaque para o “Plano de Transição Ecológica” que será detalhado em algum momento. Abrange finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura e serviços. Deve propiciar um intenso debate. E, espero, uma grande mudança de patamar para rompermos com o ciclo de baixo crescimento da economia e aprisionamento do Estado e das finanças públicas por políticas que beneficiam setores e corporações incapazes de nos tirar do marasmo dos últimos 10 anos.
O Brasil possui ativos extraordinários: nossos imensos biomas com destaque para a floresta Amazônica, Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e outros. O agronegócio que mais cresce nos mundo. A matriz energética 90% renovável, talvez a mais limpa do mundo. Um notável espirito empreendedor que busca compensar muitas de nossas mazelas e recursos humanos e naturais que bem trabalhados podem sustentar um salto adiante na economia e na qualidade de vida dos brasileiros. Tão importante quanto os ativos, uma imensa janela de oportunidades. Nossos ativos correspondem ao que o mundo em mudanças precisa em sustentabilidade, energia e alimentos.
Quanto ao que podemos focar como objetivos estratégicos, destaco 1) Energia. Fontes renováveis na geração hídrica, solar, eólica, resíduos sólidos e outras. Num mundo carbonizado, podemos produzir hidrogênio verde em grande escala, avançando intensamente na geração de energia (renovável no nosso caso), matéria prima principal para a produção do hidrogênio verde. 2) No agronegócio com sustentabilidade, políticas de combate e interdição de qualquer tipo de devastação do meio ambiente, que promovam o binômio agronegócio e sustentabilidade, uma exigência crescente dos brasileiros e do mercado mundial. 3) Agregação de valor a produção do agronegócio, propiciando forte incentivo a industrialização e o desenvolvimento da infraestrutura. 4) Crédito carbono, um mercado que começa a crescer no Brasil e pode contribuir de forma expressiva para o desenvolvimento sustentável dos nossos biomas, gerando empregos para os brasileiros que vivem nessas regiões, especialmente a Amazônia. Caminho certeiro para combater desmatamentos, garimpos e outras atividades criminosas. 5) Intensa e nacional qualificação profissional e o correspondente investimentos em Ciência e Tecnologia.
Esses desafios estão ao nosso alcance e devem fazer parte de uma visão conjunta, integrada, para realizar as esperanças dos brasileiros. Assim como o plano real, que depois de várias tentativas de controlar a inflação, finalmente nos trouxe a estabilidade, agora é preciso pensar grande, ousar. Os brasileiros estão frustrados e desanimados com os voos de galinha de nossa economia, com o complexo de vira-latas, com disputas odientas que apenas nos dividem. Queremos crescer de forma continuada, vencendo os desafios da qualificação, da urgente redução das desigualdades, do esgoto recolhido e tratado e da habitação, de uma vida de fato melhor.
Um amigo com o qual conversei sobre essas ideias mencionou as dificuldades dizendo que isso é quase impossível sem uma reforma política. Respondi que de fato, não é fácil imaginar que o que depender do Congresso Nacional será discutido, aprimorado e aprovado. Lembrei, porque estava presente, de quando foi feita a primeira apresentação do Plano Real para lideranças partidárias, em dezembro de 1993. Um dos participantes reagiu dizendo: esse plano é bom, mas não passa no Congresso de jeito nenhum. Quatro meses depois, com intensos debates, o Plano Real foi aprovado na sua inteireza.