Um dos princípios elementares da política – na verdade, da vida como um todo – é que as virtudes se sobressaem diante das adversidades. Quanto maior os obstáculos, mais a inteligência, a perspectiva e a consequência das escolhas se fazem necessárias. Responsabilidade e racionalidade diante de uma crise complexa como a que o Brasil vive são as qualidades exigidas, mais do que o açodamento, e não significam tibieza ou conivência com o que está errado. Trata-se de decisão difícil e nem sempre bem compreendida, mas é seguramente uma posição clara, consistente e coerente.
Nos últimos três anos, a sociedade foi exposta à dura realidade política e econômica dissimulada pelos que se apegaram ao poder a qualquer preço e fizeram o diabo para lá permanecerem. Deixaram como rastro uma queda no consumo equivalente a tudo o que o Peru consome num ano, um contingente de 14 milhães de desempregados e a desmoralização de um sistema político-partidário que precisa ser reconstruído para não se colocar o próprio funcionamento das instituiçães democráticas em risco.
é inegável que nosso regime republicano não está saudável como gostaríamos. Há três caminhos para tratá-lo: confiar nas ilusães de algum falso curandeiro; tomar o primeiro remédio que encontrar e se contentar com o efeito paliativo; ou procurar o diagnóstico mais preciso e prescrever o tratamento mais adequado. Em quais mãos você confiaria o futuro de um ente querido? E o futuro do Brasil?
A primeira alternativa é conhecida, e está sempre à espreita. Em termos políticos, atende por vários nomes: populismo, voluntarismo, salvacionismo. Com uma vara de condão, o demagogo da vez diz ser capaz de resolver os graves problemas que assolam o país, os Estados, as cidades. Ainda há quem acredite na ilusão de que um mero ato individual tem o poder de transformar a tudo e a todos.
Não há milagre que recupere, da noite para o dia, os quase 10% de queda do PIB desde a infame reeleição do governo anterior. Reconstruir a economia destruída pelo lulopetismo exige resiliência, tempo e coesão das forças comprometidas com o objetivo primordial da agenda abraçada pelo país desde o impeachment de 2016: retomar o crescimento do PIB, de modo a recuperar a criação do emprego e da renda das famílias.
Ao mesmo tempo, é preciso reconstruir as bases morais da política e do sistema partidário-eleitoral, requalificar a democracia representativa e as instituiçães que constituem a República. Tanto quanto a retomada da economia, isso não se obtém num passe de mágica nem passando por cima das leis para se fazer justiça. O fim não justifica os meios – ao contrário, os meios são fundamentais para que o fim seja um recomeço melhor, e não um triste retrocesso.
Para atender aos legítimos anseios da sociedade por partidos mais éticos, transparentes e abertos à cidadania, assim como por agentes públicos mais ciosos de seu dever em nome do interesse coletivo, e não de benesses individuais ou corporativistas, é imprescindível o avanço das investigaçães dos casos de corrupção tornados públicos, desde que conduzidos sob o estrito respeito das regras constitucionais e aos princípios de razoabilidade que devem pautar acordos com criminosos confessos. Caso contrário, deixa de ser justiça; torna-se justiçamento.
Da mesma forma, precisamos lançar energias hercúleas para que novas regras eleitorais sejam aprovadas em tempo de entrarem em vigor já em 2018. Isso só ocorrerá se propostas como a PEC da Reforma Política, apresentada pelos senadores do PSDB Ricardo Ferraço e Aécio Neves, for aprovada na Câmara até setembro. Nesse caso, sim, o tempo é curto e exige urgência.
Como se vê, o quadro é grave e complexo. Por isso, insisto: restringir os males da atual conjuntura ao campo moral ou ao campo econômico é um falso dilema. A racionalidade prescreve o tratamento conjunto das duas questães, e não uma em detrimento da outra.
Ao contrário do que a visão reducionista quer fazer crer, a discussão que está posta não é mero rame-rame de manutenção ou entrega de cargos – enxergar o mundo dessa forma diz mais sobre quem faz tal afirmação do que sobre o objeto em questão.
Os remédios de que o Brasil precisa são claros, mas nem por isso fáceis de serem administrados. Tampouco o tratamento mais eficiente será fruto de medida unilateral, ato de vontade pessoal ou sentença judicial. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), caberá tomar as decisães que considerar juridicamente adequadas. A partir da sentença que, esperamos todos, seja conhecida nesta semana, estarão dadas as condiçães em que se fará a boa política, pautada pela responsabilidade, distante de qualquer tipo de conivência com o erro ou o conchavo. Seja pela condenação ou absolvição da chapa reeleita em 2014, sejam quais forem as consequências para o atual mandato presidencial, a premissa é imutável.
Sem a construção de uma solução capaz de dar conta da complexidade e gravidade da crise, condenaremos o Brasil à maldição de reviver ilusães de um passado que insiste em nos assombrar ou à aventura insana da arbitrariedade que não se permite ser contrariada. é isso que um partido que sempre se pautou pela responsabilidade e pela busca do que é do interesse coletivo deve ter como foco nos momentos mais difíceis.
A firmeza e a retidão na política se moldam pela razão, temperança e coerência, que de forma alguma são sinônimos de esperteza, acomodamento ou conivência. O pulsar das ruas nunca clamou por curandeirismos ou paliativos, e sim pelo tratamento adequado para assegurar as condiçães para a construção do Brasil com o qual todos nós sonhamos: socialmente mais justo, economicamente mais próspero e politicamente mais maduro.
José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela e suplente de senador por São Paulo. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.