Passaram-se oito meses desde que escrevi o artigo “O dever da tolerância” (02/07/14), último permitido pela lei eleitoral. Com o mesmo título reinicio minha colaboração ao blogdonoblat. Agradeço ao Noblat pela oportunidade.
No texto anterior disse que não era fácil falar sobre o cotidiano do país, expondo o contraditório: “Habituados a certa inviolabilidade, políticos raramente têm a possibilidade de saber o que dizem e o que pensam de suas ideias. Muitos não querem nem saber.” Justamente agora estamos vivendo um episódio em que a população mostra aos políticos o que pensa sobre seus atos. A ampla reação contrária ao pagamento de passagens para cônjuges de deputados fez com que o Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, voltasse atrás na decisão. Certamente contou também o questionamento feito por alguns partidos, como o PSDB, que entrou com mandado de segurança no STF.
Entretanto, se Dilma já deixava a desejar no dever da tolerância, isto só se agravou ao longo dos últimos meses. Tem recebido o estímulo do padrinho e tutor Lula, convocando milicianos pré-pagos para agredir àqueles que os questionam e nos ameaçar com “exércitos do MST” para impedir a manifestação do contraditório. Sem credibilidade e com sua base de sustentação desagregada, a presidente se isola cada vez mais e parte para o tudo ou nada, por uma sobrevivência sem eira nem beira.
Construtora, autocrática e demagoga, do desastre do setor elétrico e de energia em geral, Dilma convoca um ultraliberal para jogar no lombo dos brasileiros a conta do rombo de dezenas de bilhães de reais. Com a nova conta de luz, já reajustada em até 65%, comete um crime contra a economia popular. A “nova” conta vai consumir de 500 a 1.000 reais da renda da grande maioria da população ao longo do ano. é a mais violenta supressão de renda vivida pela população brasileira. Entrevistado pela Globo em setembro de 2012, aposentado estava feliz com a perspectiva de redução da conta no ano seguinte: “Vou poder colocar 1 fruta na merenda da minha filha”. O mesmo aposentado, entrevistado no último dia 27: “Vou ter que tirar a fruta da merenda da minha filha”. Junte-se a isso inflação e desemprego crescentes, além do impacto do realinhamento (aumento) dos preços dos combustíveis e empobrecimento, entre outros, dos caminhoneiros. Uma covardia de quem quis ser a rainha da conta baixa!
Vivemos uma grave crise econômica. Mas é claro que o necessário ajuste fiscal poderia ser feito de modo diferente, sem penalizar tão duramente a maioria. Na energia, a transição poderia ser feita de forma menos dolorosa, distribuída no tempo, acompanhada do enterro das mudanças ruinosas adotadas por ela. Aqui, já fez o contrário: renomeou os coautores do desastre. O corte nas despesas da máquina gorda, corrupta e ineficiente montada pelo PT, poderia ser profundo sem afetar em nada a sociedade. Mas a presidente, refém dos seus malfeitos, opta pela covardia de impor à grande maioria dos brasileiros um sacrifício maior. Com isso, preserva sua conivência com um esquema de sustentação que apodrece e desqualifica toda a gestão pública.
Como disse Ricardo Kotscho, citado por Clóvis Rossi (Folha 03/03) “Pelas bobagens que tem falado nas suas raras apariçães públicas, completamente sem noção do que se passa no país, melhor faria a presidente se continuasse em silêncio, já que não tem mais nada para dizer”. O problema é que Dilma, mesmo sem noção do que se passa no país, é a presidente eleita. Por uma questão de sobrevivência, mudou a Fazenda. O resto continua o mesmo. E a Fazenda, isoladamente, pode estar nos levando à uma crise ainda maior.
Sabemos o momento de tensão que vive o Parlamento e o interesse do governo em potencializá-lo. Mas é daí, de uma ação convergente de parlamentares da oposição e da base do governo, de lideranças políticas e sociais, com protagonismo que deles a história reclama, que podemos esperar iniciativas para nos tirar da deriva em que nos encontramos.