A terceira mesa do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação debateu, nesta quinta-feira (14/09) a crise de representação política e o futuro da democracia. Moderada pela jornalista Helena Chagas, contou com as presenças de Alessandro Ferrara, filósofo e professor da Universidade de Roma Tor Vergata, José Álvaro Moisés, professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, Marco Aurélio Nogueira, cientista político e professor titular da Unesp, e Marcus Melo, cientista político e professor da UFPE.
Helena Chagas chamou atenção para o fato de que o mundo está cada vez mais conectado e há uma desconexão impressionante entre representantes e representados.
Na sequência, o filósofo e professor da Universidade de Roma Tor Vergata, Alessandro Ferrara, falou sobre as “condições tóxicas” que prejudicam o regime democrático e o cuidado que se deve ter ao falar em crise da democracia, pois isso pode distorcer o olhar das pessoas. Ferrara disse que algo pode não estar funcionando dentro do modelo democrático, mas não o sistema como um todo, uma vez que se trata da única forma legítima de governo.
Ferrara explicou que a grande extensão do eleitorado é uma dessas condições tóxicas, pois muitas vezes “há a percepção de que o voto não conta nada, é fútil”. A complexidade do próprio sistema democrático somado a fragmentação da sociedade atual é outra condição tóxica.
O imediatismo que impera hoje, onde “temos sempre pouco tempo para deliberar”, também é uma causa tóxica, na visão do filósofo político, além das crescentes pesquisas de opinião pública, que Ferrara considera um problema, “pois fazem com que governos ajam de forma populista”, só pensando na próxima eleição.
Democracia requer instituições que reproduzam vitalidade dos dias atuais
O professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, José Álvaro Moisés, disse que para assegurar o futuro da democracia e superar a crise de representatividade política na sociedade brasileira, é preciso alterar a percepção crescente das pessoas de que o sistema de representação funciona mal, superar a fragmentação dos partidos e rever a assimetria de poderes entre o Executivo e o Legislativo.
Para se ter uma ideia da crise entre sociedade e o sistema de representação política no Brasil atual, José Álvaro citou uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos em 2006, na qual 29% das pessoas responderam que acham que a democracia pode existir sem partidos políticos e 31% responderam que ela pode existir sem o Congresso Nacional. Na mesma pesquisa realizada em 2014, esses números saltaram para 45 e 47%, respectivamente.
José Álvaro Moisés disse que é preciso que o sistema democrático saiba lidar com as demandas do mundo atual, com o avanço tecnológico, onde essas pessoas que já não acreditam no sistema de representação política têm capacidade de expor suas demandas de forma imediata, online, e querem ser ouvidas e atendidas rapidamente.
Para o professor, justamente por ser a democracia um regime político que se baseia fundamentalmente na administração de conflitos em dimensões que perpassam as mais diferentes variantes, a grande questão atual é como ela será capaz de responder aos seus dilemas e às contradições entre o próprio regime democrático e o capitalismo do mundo atual, pois, em sua análise, o sistema capitalista implica uma tendência de desigualdade e a democracia de igualdade.
“A ameaça do comunismo e o superávit do capitalismo, fatores propulsores para a ampliação do regime democrático em todo o mundo, acabaram, não existem mais hoje em dia. A democracia agora está entregue a si mesma, aos seus próprios dilemas, e a saída é a construção de instituições de representação que tenham vitalidade”, explicou.
Crise política acarreta “cegueira cívica” e paralisação do processo decisório
O cientista político, Marco Aurélio Nogueira, professor da Unesp, avaliou que a crise política é real e assustadora por dois motivos: as sociedades mergulham em uma “espécie de cegueira cívica”, tentando atender apenas aos interesses pessoais, e há um bloqueio do processo de deliberação democrática, impedindo a tomada racional de decisões. “Os efeitos da crise são dramáticos e dizem não dizem respeito apenas ao mal funcionamento do sistema, mas afeta a vida das pessoas em larga extensão”, disse.
Terceiro palestrantes da mesa “Crise de representação política e o futuro da democracia”, Marco Aurélio Nogueira destacou, por outro lado, que não se trata de um problema unicamente brasileiro e, muito menos, recente. Desde os anos 1960, os regimes políticos do ocidente estão dialogando com a crise que, segundo ele, se globalizou com a globalização do capitalismo.
“Uma das características do capitalismo globalizado é que ele globalizou a economia, a sociedade, a cultura, mas não conseguiu globalizar a politica. Essa dissonância está na base de boa parte dos problemas atuais”, avaliou. “Transferindo para o plano nacional, as coisas se deram da mesma forma. Do mesmo modo que a vida nacional se modernizou de forma globalizada, a vida politica não conseguiu acompanhar”, disse.
Segundo ele, a crise não é apenas das instituições, ou das regras com as quais se pratica a política. A crise é também da política. “Tem a ver com hábitos, procedimentos, valores éticos, representantes e representados”, explicou. Além das reformas institucionais feitas com algum consenso, sugeriu, são necessárias também iniciativas pedagógicas que coloquem essa discussão para a população.
Declínio do pertencimento partidário
Encerrando a mesa, o cientista político Marcus Melo, professor da UFPE, argumentou que se fala em crise da representação política há pelo menos 60 anos. “Dados mostram que o pico do pertencimento partidário se deu nos anos de 1950. De lá pra cá, apenas declínio. O mesmo pode-se dizer do comparecimento às urnas”, explicou.
Nos anos 1950, disse, houve importante debate sobre democracia e cultura cívica, polarizado em duas chaves: marxismo e liberalismo. “O diagnóstico também foi de crise de cultura cívica”, apontou. Nas décadas seguintes, o tema foi retomado, com o debate centrado na governabilidade. “Houve uma explosão de movimentos sociais, o que levou ao diagnóstico de crise da democracia”, completou.
“Agora o grau de desencanto e desconfiança com partidos atinge patamares elevados. Mas, neste momento, a crise pode ser definida numa chave positiva: a desconfiança gera mudanças”, ponderou. Segundo ele, o Brasil atualmente é um caso de sucesso, pois temos um governo representativo e uma democracia constitucional. “As instituições de controle estão funcionando e temos uma Suprema Corte que arbitra os conflitos”.