A inspiração da liderança e os grilhões do passado
Artigo publicado no Blog do Noblat, na versão on-line do jornal O Globo, em 29/03/2017
Abril está prestes a ter início com os olhos do mundo voltados para a França. Está em curso a reta final da campanha a presidente cujo resultado, a exemplo de outros momentos históricos do país, pode servir de referência e de inspiração para outras nações – inclusive para o Brasil –, principalmente depois de uma nebulosa ofensiva populista e retrógrada vista nos últimos meses nas mais diferentes partes do planeta. Contra os grilhões do anacronismo, nada mais libertador que a força da inovação e a inspiração da liderança.
Essas virtudes têm se mostrado presentes na plataforma de Emmanuel Macron, provável candidato no segundo turno contra a ameaça da extrema-direita capitaneada por Marine Le Pen. Aos 39 anos, o ex-ministro simbolizou o enfrentamento contra as corporações e o anacronismo sindical que travaram o crescimento e o aumento da produtividade do trabalho na França.
Ao mesmo tempo, tem credibilidade para prometer um ousado plano de investimentos da ordem de 50 bilhões de euros em 5 anos de mandato, redução da carga tributária para a classe média e incentivo ao empreendedorismo.
Para isso, Macron é respaldado pela passagem como ministro responsável pela economia do país e pela bem-sucedida carreira de executivo do mercado financeiro, além da formação na tradicional Escola Nacional de Administração (ENA).
Se conseguir confirmar a vitória em segundo turno prevista pelas pesquisas eleitorais, o líder do En Marche tem tudo para se firmar como principal novidade da política europeia nos últimos anos. Mais do que isso. Macron reúne as condições para ser um contraponto à aventura de Donald Trump nos Estados Unidos e ao desalento do Brexit. Um necessário frescor para o Velho Continente, e também para este lado do Atlântico.
A exemplo dos franceses, nós brasileiros também precisamos romper com grilhões de corporativismo que nos condenam ao atraso. A resistência à reforma laboral na França nada mais era do que sindicatos e classes privilegiadas tentando proteger suas benesses.
Não tivesse sido aprovada a lei em agosto de 2016, a Airbus, hoje a maior fabricante de aviões do mundo, não daria conta de entregar as encomendas contratadas no ano passado e deixaria de atrair bilhões de euros para o território francês.
Pude testemunhar in loco a mobilização entre empresa e trabalhadores para concluir as aeronaves nos últimos dias de 2016, em jornadas estendidas, devidamente remuneradas. Ao que me conste, ninguém sentiu saudade da legislação ultrapassada diante de uma situação em que todos voltaram para casa com rendimentos expressivamente maiores.
Por aqui, ainda vivemos sob ameaça da junção de forças entre o corporativismo despropositado e o populismo sem escrúpulos. Por trás da pseudodefesa de direitos dos trabalhadores, esconde-se o puro interesse em preservação de privilégios. Sindicatos agora negociam apoio às reformas em troca de imposto para financiamento de suas atividades.
No Congresso, a pressão das corporações e de setores da elite da burocracia se fez tão forte que as aposentadorias e pensões pagas pelos governos estaduais e municipais ficarão de fora da PEC da reforma da Previdência num primeiro momento, mas os estados terão de fazer suas próprias adaptações em no máximo seis meses, ou seguirão as mesmas regras da administração federal.
Com isso, ficará às claras quem tem espírito republicano – e eventualmente poderá até aprimorar as medidas de acordo com as realidades locais – e quem faz mero proselitismo para escapar de suas responsabilidades e se prende a mais uma bola de ferro que atrasa a recuperação da economia nacional.
A maior recessão da história, provocada pela política econômica lulopetista baseada em conceitos tão equivocados quanto anacrônicos, jogou nosso PIB ao 9º lugar no ranking mundial no ano passado. Fomos superados pela Itália e pela índia, país emergente como nós, mas que já se tornou referência em inovação e formação de profissionais mais bem qualificados para o atual mercado de trabalho.
Desse cenário é possível tirar algumas lições. Sem tornarmos nosso sistema de aposentadorias mais isonômico, condenaremos o país a uma crise de insolvência fiscal e ficaremos presos à infame desigualdade social agora agravada pelo IDH estagnado. Sem atualizarmos nossa legislação às novas formas de trabalho, veremos nossa produtividade ficar para trás.
Sem pensarmos em um sistema tributário que pese menos no bolso dos mais necessitados e gestões com mais eficiência, estaremos fadados à baixa competitividade internacional. Sem revermos nosso sistema político-partidário a sério, e não como mera tábua de sobrevivência do status quo, veremos maior descrédito com a política e maior risco de uma nova aventura fadada ao insucesso – inclusive sob a ameaça do retorno de Lula, o demagogo-mor e principal responsável pelo desastre que derrubou a economia, destruiu as contas públicas e deixou 13 milhões de brasileiros desempregados.
Diante de tais desafios colocados pelo mundo atual e pelos riscos que o populismo lulopetista ainda representa ao país, torna-se mais importante equacionar a necessidade de inovação à capacidade de liderança. Uma não será suficiente sem a outra. Fernando Henrique Cardoso foi preciso ao afirmar que política com P maiúsculo se faz com inspiração.
Um verdadeiro líder é capaz de encontrar um novo e promissor caminho a ser trilhado, de nos fazer acreditar no futuro, e não só na onda do presente ou na nostalgia do passado. É o que Macron começou a fazer há alguns meses na França. É o que o Brasil precisa para romper com os grilhões do atraso.
José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.