“A política é como a perfuração lenta de tábuas duras.” Recorro à citação de Max Weber por ver nela a melhor definição do debate sobre a Previdência. Nenhum tema hoje exige mais paixão e perspectiva, como definiu o sociólogo alemão há um século em “A Política como Vocação”, do que discutir a sustentabilidade fiscal do sistema de aposentadorias e pensões.
Precisamos mostrar as injustiças provocadas pelas atuais regras e explicar que, sem a reforma, o Brasil estará fadado a preservar privilégios e desigualdades.
Na era da pós-verdade, é fácil disseminar informações incorretas, seja por desconhecimento, seja por má-fé. O ator Wagner Moura, competente que é no ofício de fazer parecer real o que é obra de ficção, incorreu nesse caminho ao fazer a narração de um vídeo viral em que, embora se proponha a explicar, na verdade distorce a reforma da Previdência.
Cabe aqui repetir a estratégia de artigo recente que publiquei para, mais uma vez, rebater com argumentos os pontos apresentados pelo ator.
Comecemos pelos mais recentes. Nesta Folha, Wagner Moura questionou se a reforma da Previdência afetará os políticos. A resposta é sim: basta ler a proposta de emenda constitucional. De minha parte, defendo o fim de quaisquer privilégios, e não é de hoje.
Em 1997, fui dos mais atuantes na mudança das aposentadorias dos congressistas, que fazia parte da reforma proposta no governo Fernando Henrique Cardoso e reduziu significativamente o valor gasto.
Na época, deputados e senadores recebiam o benefício integral com oito anos de mandato e a partir dos 50 anos pelo Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC); depois, o pagamento passou a ser proporcional, após 35 anos de contribuição e 60 anos, e só aos parlamentares que optassem pelo Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC).
Para ficar mais claro, cito meu exemplo: pelas regras antigas, eu me aposentaria em 2001, antes de completar 54 anos e com benefício integral. Minha opção não foi o PSSC, mas o INSS: me aposentei por idade aos 66 anos, em 2013, e recebo abaixo do teto, como quase todos os inativos do setor privado.
Quem ler a PEC da reforma da Previdência sem preconceitos entenderá que a espinha dorsal é tornar o sistema mais igualitário. Isso ocorre ao fixarmos as mesmas regras do setor privado a políticos e servidores federais, assim como ao reduzirmos as aposentadorias precoces.
Os mais escolarizados e os de maior renda se aposentam em média dez anos antes dos mais pobres -que somam 69% dos beneficiados e recebem um salário mínimo, geralmente após os 65 anos. Portanto, a PEC não tira direitos, e sim combate privilégios.
Esse ponto deixa claro que a idade mínima de 65 anos para aposentadoria não é voluntarismo nem significa que as pessoas “morrerão antes disso”. Wagner Moura, a exemplo de outros oposicionistas, comete erro metodológico ao usar dados de expectativa de vida ao nascer, e não os de expectativa de vida após a aposentadoria -ou seja, os anos em que a pessoa efetivamente vai usufruir do benefício.
Hoje, o brasileiro com 65 anos vive em média mais 18,4 – felizmente, nas próximas décadas viverá ainda mais. Portanto, dizer que o governo quer “transformar o INSS numa funerária” ou é leviandade, se movida por má-fé, ou fanfarronice, se for por ignorância.
O debate da Previdência é o mais sério da agenda nacional, a mais dura das tábuas para a construção de um país com mais oportunidades e menos desigualdades.
É natural que desperte paixões, mas discursos sem perspectiva não passam de retórica ideológica. Não é o que se espera nem de atores nem de políticos.
José Aníbal é presidente do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal por cinco mandatos e presidente nacional do PSDB.