O bom senso, a razão e a realidade
Artigo publicado no Blog do Noblat, na versão on-line do jornal O Globo, em 26/04/2017
A vitória de Emmanuel Macron no primeiro turno da eleição presidencial na França tem um simbolismo muito maior que os 2,5 pontos porcentuais que o colocaram à frente de Marine Le Pen na votação do domingo passado. No dia 8 de maio, quando tudo leva a crer que o centrista confirmará o favoritismo ao Palácio do Eliseu e derrotará a ultradireitista no turno decisivo, os franceses vão demonstrar ao mundo de que mesmo um país com convicções fortemente arraigadas em sua cultura e em seu modo de vida pode – e deve – encontrar formas de se reinventar diante dos novos desafios globais. Tradições e costumes constituem a alma de um povo, mas tornam-se prisões se falarem mais alto que o juízo, o bom senso e a razão.
Macron é um candidato de vanguarda não por ter apenas 39 anos, por ter criado um novo partido – o En Marche – ou por ser um estreante na disputa de cargos eletivos. Não é a idade, o partido ou a experiência prévia nas urnas que faz alguém ser uma novidade autêntica – nós, brasileiros, aprendemos isso ao sermos lançados a uma aventura que levou a economia à maior recessão da história.
O frescor de Macron se explica pelo discurso transparente, ao afirmar que a França não tem mais condições de sustentar aposentadorias que chegam a 7 mil euros! O líder do En Marche é inspirador não só por ter uma consistente carreira no setor privado e por ter idealizado a reforma laboral, aprovada em agosto do ano passado, em um dos países com maior regulação do trabalho, mas principalmente por ter consciência de que, sem competitividade, mesmo uma nação rica corre o risco de se tornar ultrapassada. Um mundo mais complexo e dinâmico exige soluções mais complexas, elaboradas e compartilhadas com a sociedade. Não há como enfrentar a realidade à base de discursos simplistas ou maniqueístas como sugere o populismo, seja da direita nacionalista, seja da esquerda anacrônica.
É aqui que encontramos a conexão mais direta entre as agendas francesa e brasileira. Nossa eleição presidencial ainda levará mais de um ano para ser realizada, mas vivemos nossa hora de demonstrar juízo e encarar os desafios com racionalidade. As soluções estão colocadas e passíveis de discussão e aprimoramento: reforma da Previdência, atualização das leis trabalhistas, simplificação do sistema tributário. Qualquer tipo de postergação dessas pautas é mero proselitismo político.
Os radicalismos de Le Pen na França, que nos chocam por sua xenofobia, não deixam de encontrar eco nos extremismos dos dois espectros da política no Brasil. Ambos devem ser combatidos com a serenidade da razão. Nosso desafio maior é fazer o juízo falar mais alto que os berros dos populistas, dos corporativistas e dos que não têm capacidade de elaborar um projeto de país. Que outros ecos da pátria do iluminismo nos inspirem e permitam que o país inicie um novo ciclo para promoção do crescimento da economia, condição efetiva para combatermos a pobreza que ainda aflige milhões de brasileiros.
José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela e suplente de senador por São Paulo. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB.