O Instituto Teotônio Vilela (ITV) e o PSDB realizaram, nesta segunda-feira (23/11), em São Paulo, o Seminário “Caminhos para o Brasil – Meio Ambiente e Sustentabilidade”. O evento teve a participação de ambientalistas de todo o país e lideranças políticas tucanas e de outros partidos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o professor Luiz Gylvan Meira Filho (IEA/USP) e o secretário de Mudança do Clima do Ministério de Meio Ambiente, Carlos Klink, foram os palestrantes. Um dos objetivos do seminário foi debater e apresentar alternativas à proposta brasileira que será levada à COP-21 em Paris, no início de dezembro.
Em sua palestra, Fernando Henrique Cardoso frisou que o tema “meio ambiente” não deve ser uma “especialidade” dentro do governo, mas deve fazer parte de todo o governo. “é preciso ter um ministro do Meio Ambiente, mas é preciso também a compreensão de que todas as decisões relevantes do governo dizem respeito ao meio ambiente. A política depende da ação do governo. Mais especificamente do chefe do Executivo. Se o chefe do Executivo não se empenha, as coisas não andam. Se você não tem uma agenda, e não transforma ela em uma agenda nacional, não a incorpora, as coisas não funcionam.”
Segundo ele, o Brasil tem um longo caminho a percorrer no sentido de escolher o modo de produção de energia e de deslocamento das pessoas. “Os grandes algozes hoje são a queima de florestas, o uso de combustíveis fósseis – que interfere diretamente no setor de transportes – e a produção de energia. Precisamos decidir como será a matriz energética. A nuclear é sempre mais perigosa”, disse.
Fernando Henrique Cardoso
Fernando Henrique também avaliou que, no curto prazo, o Brasil se equivocou com relação à exploração do pré-sal. “Não porque resolvemos explorar, mas porque ainda não temos definido qual será o custo ambiental. Também não sabemos se teremos recursos para explorar e se o custo da exploração será compensado pelo valor do petróleo”, explicou. “Temos alternativas como o etanol, apesar do descuido com esse setor, e o gás natural. é preciso consolidar o consenso”, afirmou.
O ex-presidente da República destacou ainda a importância de debates como o promovido pelo ITV. “é importante que as fundações políticas, como essa, entendam a política com P maiúsculo. Temas como o meio ambiente transcendem os limites de partido. é muito importante que as fundações dos partidos se dediquem à organização desse tipo de debate, e que ajudem a constituir uma opinião pública a respeito da matéria, com visão ampla. Aqui não há anti. Aqui temos que ser a favor. A favor da vida, a favor da manutenção das condições de sustentabilidade do planeta”, concluiu.
Rio de Janeiro, Kyoto e Paris
Ao comentar a palestra do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro do Meio Ambiente, José Goldemberg, disse que a luta pela redução das emissões de carbono teve três momentos importantes: as conferências do Rio de Janeiro (1992), de Kyoto (1997) e agora, a de Paris (dezembro de 2015).
“No Rio, foi a primeira vez em houve o reconhecimento do aquecimento global como um dos graves problemas que os países teriam de enfrentar. E ficou evidente que, para conseguirmos a redução das emissões de carbono, seria preciso um acordo entre todos, inclusive a China que ainda era um emissor modesto, mas que já dava sinais de que seria um emissor importante no futuro”, lembrou.
José Goldemberg
“Já em Kyoto, a posição do Brasil foi menos agressiva, pois ficamos presos a um sistema que dividiu o mundo entre os países que precisavam reduzir as emissões de carbono (OECD) e os demais. O Protocolo de Kyoto foi uma decisão de cima para baixo e muitos não estavam de acordo. Os Estados Unidos não aderiram, apenas a União Européia. A China sempre se opôs e foi, de maneira pouco sábia, acompanhada pelo Brasil”, disse, ressaltando a explosão de crescimento da China desde então.
Segundo Goldemberg, na Conferência de Paris não haverá ações “de cima para baixo”, porque todos os países estão apresentando suas contribuições – os INDC (Intended Nationally Determined Contributions). “Essas contribuições, efetivamente, vão levar a uma redução das emissões”, confirmou.
O ex-ministro afirmou ainda que, apesar da redução do desmatamento, a partir de 2005, outras emissões estão crescendo no Brasil – vindas, sobretudo, do setor elétrico e de transporte. “Os desacertos do governo são intoleráveis. Algo muito prejudicial, por exemplo, foi o abandono do programa de etanol”, citou. “Precisamos adotar no Brasil algo semelhante ao que foi feito nos Estados Unidos, que consideram o CO2 um poluente regular. Outra ação importante está sendo adotada pelo Governo de São Paulo, com a promoção de protocolos de redução das emissões que estão sendo assinados voluntariamente pelas indústrias”, concluiu.
“Engano favorável” no Código Florestal
Também comentando a palestra do ex-presidente Fernando Henrique, o engenheiro ambientalista Israel Klabin destacou que houve um “engano favorável” na elaboração do Código Florestal hoje em vigor: a criação do CAR (Cadastro Ambiental Rural), que permitirá que todos os municípios do Brasil, por meio das propriedades privadas, possam recuperar 20% de suas áreas nativas. “Neste desastre da Samarco, foi possível constatar que, entre os mais de 20 municípios da Bacia do Rio Doce, apenas dois ou três têm área florestada conforme previsto na lei”, disse.
Klabin destacou ainda alguns avanços no INDC do Brasil: redução das emissões em 37% até 2025 e de 43% até 2030; recuperação de 15 milhões de hectares desmatados; e a garantia de que a matriz energética terá 45% de fontes renováveis. “Não é preciso apenas mitigar o uso de carbono. Estamos na idade da adaptação. Precisamos de um novo modelo de desenvolvimento”, completou.
Redução de 2ºC até o fim do século
O pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP), Luiz Gylvan Meira Filho fez um balanço sobre “O que a ciência recomenda para que se alcance os 2ºC até o fim do século”. Gylvan foi co-presidente do Grupo de Trabalho Científico do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) e vice-presidente do mesmo Painel. O IPCC é uma organização científico-política criada em 1988 no âmbito das Nações Unidas (ONU) pela iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Luiz Gylvan Meira Filho
“A convenção discutida no IPCC é uma lei mundial. Foi feito um acordo de que o aumento da temperatura média global deveria ficar abaixo de 2 graus Celsius”, afirmou. Ele explicou que o aumento nas emissões de gases geram uma potência de aquecimento que causam aumento do nível do mar, entre outras coisas que acarretam em “perdas para animais, pessoas, agricultura, perdas para a vida como um todo”. “O processo de adaptação é muito mais lento do que a mudança que vem ocorrendo. Se a temperatura aumentar acima de 2 graus Celsius, as perdas serão intoleráveis”, complementou.
Gylvan falou sobre a relação entre emissão de gases de efeito estufa e aumento da temperatura e o quanto precisa ser reduzido. Para limitar o aumento da temperatura, é necessário que pare de aumentar a concentração de gases. “O primeiro relatório do IPCC, de 1990, indicava a necessidade de reduzir em 60% as emissões globais de dióxido de carbono. Atualmente, é preciso reduzir em mais do que 70% em relação aos níveis atuais, o equivalente a uma nova revolução industrial”.
“Outro aspecto importante é saber quando essas reduções precisam ocorrer. Há um atraso de 40 ou 50 anos entre as emissões de dióxido de carbono e a mudança do clima que ela provoca na prática. No caso do metano são 20 anos e do óxido nitroso, 40 anos também. Para estabilizar a temperatura em 2100, há que se estabilizar as emissões em 2050. As decisões de hoje afetarão as emissões de 2050 e, consequentemente, a temperatura em 2100”, explicou.
INDC do Brasil
Às vésperas do início da Conferência do Clima (COP-21) em Paris, o secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Carlos Klink, aceitou o convite dos tucanos para participar do seminário “Caminhos para o Brasil – Meio ambiente e Sustentabilidade”. Ele falou sobre as propostas relativas ao INDC do Brasil (Intended Nationally Determined Contributions), que incluirá as metas do país para a redução de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), e sobre as sugestões que o governo brasileiro apresentará para o acordo climático global durante a COP-21.
Durante sua palestra, o secretário confirmou os números apresentados pelo governo para reduzir em 37% as emissões de gases causadores do efeito estufa entre 2005 e 2025 e em 43% até 2030.
Carlos Klink
Ele ressaltou que o governo brasileiro está trabalhando com a possibilidade de avançar na construção de uma economia de baixo carbono, firmando um novo acordo que reduza as emissões de gases de efeito estufa, causadores das mudanças climáticas. “O Brasil já conseguiu diminuir em muito as emissões de gases. Precisamos prestar atenção e atacar fortemente os setores da agropecuária e de energia”, completou.
Para Klink, é preciso começar a implementar ações. De acordo com o secretário, o Itamaraty realizou consultas públicas, no início deste ano, para saber o que a sociedade gostaria de ver no novo acordo. Ele defendeu ainda que os números devem ser revistos de cinco em cinco anos como forma de monitoramento e planejamento para acordos futuros. “Nesse momento a preocupação é que haja uma forte amarração política para que não ocorra retrocessos. Queremos além do que já foi alcançado. Queremos números melhores”, acrescentou.
O reflorestamento de 12 milhões de hectares foi mencionado pelo secretário como um dos maiores desafios do país, assim como fazer a fusão entre proteção do meio ambiente e produção. “Aproximar o Brasil de países que tenham um compromisso ambiental elevado é a intenção das discussões sobre políticas ambientais. Queremos transformar o Brasil no país do reflorestamento e fazer uma agricultura e economia florestal de baixo carbono”, concluiu.
Mariana
O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves, afirmou que o governo brasileiro precisa tratar a questão ambiental acima das disputas políticas cotidianas. Ele defendeu a aprovação do marco regulatório do setor mineral, proposta essencial para os estados e municípios que sofrem atividade mineradora e que está engavetada no Congresso por falta de interesse do governo federal.
Aécio Neves
“Nós vivemos no Brasil um presidencialismo quase que monárquico. Não se consegue avançar em reformas importantes, estruturantes, sem que o governo federal esteja de forma clara conduzindo, ou articulando para que esses avanços ocorram. Os debates do código da mineração se estenderam por todos esses últimos oito ou nove anos, sem que houvesse disposição do governo federal de minimamente liderar esse processo. Falta ao governo do PT capacidade para promover o debate em torno dos grandes problemas brasileiros”, afirmou.
Aécio destacou ainda a extensão da tragédia ocorrida em Mariana (MG) para ilustrar a importância do debate ambiental. Ele lembrou que, além dos danos ambientais causados pela exploração de recursos naturais esgotáveis, os estados e municípios mineradores enfrentam também a falta de alternativas econômicas para o esgotamento das jazidas.
“é uma tragédia cotidiana em todas as regiões mineradoras porque, quando exaure-se sua capacidade mineradora, além dos problemas ambientais que ficam, sem que o Estado e o município possam recuperar a degradação dessas áreas, fica também um problema social de enorme dimensão. A mão de obra especializada na questão mineradora não se qualificou ou não teve oportunidades de se qualificar para um novo ciclo econômico que deveria estar sendo buscado para superar o ciclo mineral em cada uma dessas regiões”, destacou.
O presidente nacional do PSDB voltou a manifestar seu apoio a uma proposta emergencial apresentada pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que torna obrigatória a destinação das multas ambientais para municípios e famílias atingidas por danos. Hoje esses recursos são destinados para os cofres do governo federal.
“Há uma proposta que nós estamos dando prioridade, do senador Anastasia, ex-governador de Minas Gerais, que possibilita que o recurso advindo das multas, portanto arrecadado pelo Ibama, possa ser aplicado diretamente nessas regiões, com essas famílias cadastradas, com a recuperação do ambiente para que novas atividades econômicas ocorram”, completou Aécio Neves.
Questão ambiental transcende partidos
José Aníbal
O presidente nacional do ITV, José Aníbal, falou sobre a importância de discutir a questão ambiental com toda a sociedade. “Nosso propósito é conversar com a sociedade nas reuniões promovidas pelo Instituto, pensar o Brasil e o mundo em uma ótica que não seja apenas partidária. O meio ambiente e o clima transcendem partidos políticos, é uma agenda da sociedade como um todo”, afirmou.
“Paul Krugman fala sobre o aquecimento global em artigo e cita análise do presidente Obama em que ele fala que a mudança climática é a maior ameaça que enfrentamos. Ele está exatamente certo quando diz que o terrorismo não pode destruir e não destruirá nossa civilização, mas o aquecimento global pode”, complementou.
O ITV vai produzir um documento para ser levado à COP-21. “A ideia é apresentarmos um texto da oposição que procura refletir o tamanho do desafio que é a questão do meio ambiente e da sustentabilidade. Felizmente podemos ver hoje aqui que há uma grande convergência sobre o tema, agora precisamos definir os modos para fazer as coisas acontecerem”, finalizou o presidente do ITV.
ProClima
O Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, destacou as boas iniciativas que o estado tem
adotado no sentido de preservar o meio ambiente e promover a sustentabilidade. Além da promoção do protocolo voluntário para a redução das emissões de gases de efeito estufa, assinado pelas indústrias, São Paulo foi o primeiro estado no país a implantar um programa de trabalho com as mudanças climáticas, o Proclima.
As palestras e debates do Seminário “Caminhos para o Brasil – Meio Ambiente e Sustentabilidade” foram organizadas e mediadas pelo ambientalista Fábio Feldmann, ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e pelo ex-ministro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho.