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Novas oportunidades de trabalho vão surgir com a revolução tecnológica, apontam debatedores

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Abrindo o debate sobre a revolução tecnológica e o mercado de trabalho, o físico e diretor-científico da Fapesp Carlos Henrique Brito Cruz citou três questões importantes para o Brasil relacionadas à tecnologia, seus avanços e efeitos para a sociedade: o desafio da produtividade, as novas ideias sobre inteligência artificial e as dificuldades que o desenvolvimento da ciência impõe a áreas em que o país leva alguma vantagem.

“Por exemplo: o Brasil tem muitas facilidades na chamada bioeconomia, mas o avanço da tecnologia biomolecular e genética já permite editar o DNA de coisas vivas. Assim, as vantagens que temos, como extensão de terras, bons solos e água, começam a diminuir”, explicou. “Outro exemplo é o biocombustível. Trata-se de uma excelente alternativa ao petróleo, que só o Brasil produz. Mas começa a ser ameaçada pela produção dos carros elétricos”.

Além disso, acrescentou, é inegável a baixa produtividade no Brasil, dificultando a geração de riquezas para o país. “A indústria brasileira não tem como competir. E isso depende do uso da tecnologia”, disse. “E quanto às novas ideias sobre inteligência artificial, elas são claramente diminuidoras de emprego, mas não podemos ficar de fora, porque o mundo todo estará dentro”, completou Cruz, que também é professor da Unicamp.

O diagnóstico, reforçou, é que o Brasil precisa se adaptar mais rapidamente à economia do mundo das ideias. “Se apenas usar as ideias dos outros, o país ficará limitado. Se desenvolver suas próprias ideias, poderá decidir sobre seu destino.”

Segundo ele, a questão da redução dos empregos frente às novas tecnologias não é nova. Assim como não é novo o fenômeno do desenvolvimento tecnológico. “Isso tudo não começou na semana passada. Quem trabalha nessa área está desenvolvendo coisas, pelo menos, desde a década de 60. São anos de estudo, de trabalho. O mundo do conhecimento não é algo que você entra de repente. Os acervos estão em pessoas, não em livros. E isso é algo que precisamos valorizar mais no Brasil”, afirmou.

Potencialidades da inteligência artificial

Dora Kaufman, socióloga, pesquisadora da USP e da PUC-SP, afirmou durante sua palestra no seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação que o crescimento cada vez mais acelerado da inteligência artificial está gerando um novo fenômeno: a criação de duas espécies humanas. “Está havendo um deslocamento entre a elite e o resto da humanidade. Ao mesmo tempo em que esta elite tem mais acesso e interage com os benefícios que as máquinas e a tecnologia trazem, a outra parte está se distanciando e provavelmente não será capaz de exercer funções ligadas à inteligência artificial no futuro”, afirmou.

A socióloga explicou que hoje, ao mesmo tempo em que o avanço da inteligência artificial impacta o mercado de trabalho ao substituir pessoas por máquinas, há também uma falta de pessoas preparadas para exercerem novas funções que a tecnologia demanda. Para Dora, são processos simultâneos e acelerados. “A tecnologia se desenvolve e avança cada vez mais rápido. Fatores como o Big Data e a maior capacidade de processamento dos computadores possibilitam um desenvolvimento cada vez maior da inteligência artificial”, disse.

Seguindo na mesma linha de raciocínio, Dora Kaufman expôs que a inteligência artificial está disseminada em todos os setores da sociedade e, de acordo com suas pesquisas, ela já substitui também aquele trabalhador que pensa, não mais somente aqueles trabalhadores de fábricas. “As máquinas são cada vez mais capazes de produzir de forma rápida e completa”, avaliou.

Para ela, não existe solução imediata. “Precisamos discutir e nos informar cada vez mais, a inteligência artificial traz benefícios enormes à sociedade, todos os aplicativos que usamos diariamente, como o Waze, WhatsApp, Google, advêm da inteligência artificial, facilitam a vida de muita gente. O avanço da inteligência artificial é tão importante quanto a sustentabilidade para o desenvolvimento da sociedade como um todo.”

Mudanças tecnológicas e mercado de trabalho devem ser tema de plano estratégico

O sociólogo chileno Mario Alburquerque traçou um panorama de como seu país vem tratando a questão do desenvolvimento tecnológico e as mudanças geradas no mercado de trabalho. Ele afirmou que o Chile tem tentado reduzir os possíveis efeitos negativos das novas tecnologias com uma estratégia chamada “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável”, estabelecida em cinco pontos: construção de consensos, contribuição empresarial para programas de inovação, concessão de parte dos cargos públicos para o desenvolvimento de novas tecnologias, ampliação da digitalização dos serviços no país e colocação da inovação no coração do sistema educacional.

Segundo ele, é preciso ser proativo e não, simplesmente, deixar que transformação ocorra. “é verdade que o avanço tecnológico atrai desemprego. é verdade também que a mudança nunca foi tão rápida. Mas, sob uma perspectiva otimista, sempre que as grandes transformações ocorreram, o processo de desemprego foi revertido com a geração de novos e diferentes empregos. As instituições se transformaram para que isso acontecesse”, afirmou. O desafio, reforçou, é pensar quais instituições, políticas e aprendizagens sociais vão permitir dar outras direções para os aspectos negativos.

Consultor e professor a Universidade do Chile, Mario Albuquerque também falou sobre a experiência chilena em duas questões que vêm sendo amplamente debatidas no Brasil: políticas de redução da pobreza e previdência.

“De 1990 a 2017, a pobreza no Chile foi reduzida de 38% para 7% da população. Houve um crescimento grande do chamado grupo médio, mas que também pressiona a demanda pelos chamados direitos universais – educação, saúde, seguridade. Mas no Chile é preciso comprovar a real necessidade de se obter esses serviços gratuitamente. Por isso, lá esses são serviços altamente privatizados”, explicou.

A previdência totalmente particular, entretanto, começa a gerar problemas como pensões mais baixas que as contribuições. A solução encontrada, segundo o sociólogo, foi a criação de um fundo solidário abastecido pelos empregadores, via contribuição patronal.

Sociedades mais rápidas e menos fixas

O sociólogo Mauro Magatti, professor da Universidade Católica de Milão, disse na última palestra da mesa sobre revolução tecnológica e mercado de trabalho que o avanço da inteligência artificial está nos fazendo caminhar para uma sociedade sem tempo e sem local fixo de trabalho. Segundo ele, a penetração capilar da rede e da tecnologia poderá ser a “nova fábrica”. “Não teremos local e nem atividade que ficará de fora”, avaliou o italiano, na segunda mesa do dia do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação.

De acordo com Magatti, o equilíbrio e o crescimento de outras nações baseados no consumo e na hegemonia dos Estados Unidos não se sustenta mais, fato evidenciado desde a crise econômica de 2008. “Não é só o consumo que vai gerar crescimento”, disse.

Para o professor da Universidade de Milão, estamos caminhando para uma economia da contribuição, com ambientes dinâmicos e plurais, onde a rede se torna uma estrutura cada vez mais necessária e confiável.

“Chegamos a uma sociedade sem trabalho, dizem os pessimistas. Os otimistas enxergam a possiblidade de se criar novos empregos e campos de atuação. O problema é o percurso”, complementou o sociólogo.

Magatti explicou que o avanço da inteligência artificial e os novos níveis de integração digital vão permitir às máquinas se relacionarem entre si. Entre as grandes empresas emergentes, a Amazon permite enxergar o rumo dessa mudança. “é uma gigante da logística, caracterizada pela sua velocidade e credibilidade, com uma base de dados enorme, graças a sua capacidade de inteligência artificial. Recentemente abriu a primeira loja sem caixas físicos”, exemplificou.

De acordo com ele, a questão que fica é se a política será capaz de trabalhar uma “Terra humana” no meio desse mar técnico, de modo a colocar a técnica a serviço das pessoas. Em sua visão, será preciso um novo intercâmbio entre política, economia e sociedade capaz de estabelecer uma nova aliança entre pessoas diferentes com a perspectiva de conceber valores consensuais, uma revolução baseada no intercâmbio social sustentável e dinâmico, focado na troca “eficiência x segurança”.